Movimentos da Vanguarda Europeia: Futurismo

O futurismo é um movimento artístico e literário, que surgiu oficialmente em 20 de fevereiro de 1909 com a publicação do Manifesto Futurista, pelo poeta italiano Filippo Marinetti, no jornal francês Le Figaro. Os adeptos do movimento rejeitavam o moralismo e o passado, e suas obras baseavam-se fortemente na velocidade e nos desenvolvimentos tecnológicos do final do século XIX. Os primeiros futuristas europeus também exaltavam a guerra e a violência. O Futurismo desenvolveu-se em todas as artes e influenciou diversos artistas que depois fundaram outros movimentos modernistas.

Marinetti e o Futurismo
Em 1893, vindo de um colégio de jesuítas de Alexandria (Egito), o jovem e abastado Filippo Tommaso Marinetti chega a Paris a fim de completar sua educação, imbuído de classicismo/catolicismo, oriundos de um ambiente onde existe a dominação dos colonizadores e a submissão da população árabe oprimida e desnutrida.

Conseguido em Paris o baccalauréat ès lettres, e obtido o grau de Doutor em Direito, com a tese La corona nel governo parlamentare, defendida em Gênova em 1899, satisfazia as vontades do pai e sentia-se, com isso, livre para orientar suas energias para o campo literário, o único que realmente o encantava.
Instaura-se o verso livre. O instinto leva Marinetti a conhecer pessoalmente Catulle Mendès e Gustave Kahn. A este dedica o poema “La conquête des étoilles”, e será Mendès que contribuirá para que ele ganhe o concurso dos Samedis Populaires (1899) e tenha seu poema “Les vieux marins” recitado por Sarah Bernhardt. Passa a publicar em diversas revistas e, mais assiduamente, na Anthologie: Révue de France et d’Italie. Ganha amigos e notoriedade. Paris adota-o.

O verso livre (“perene dinamismo do pensamento, desenrolar ininterrupto de sons e de images/stories”), o maquinismo (“a psicologia do progresso”) e a anarquia (Stirner mais do que Bakunin) – eis os três pilares sobre os quais se baseará Marinetti, mais tarde, para a edificação do Futurismo.

Agora, devidamente formado, divide-se entre França e Itália, procurando consolidar sua celebridade. Deste país, visita todas as principais cidades, recitando, grandiloquente, os poemas de Rimbaud, Hugo, Baudelaire, Verlaine e, particularmente, Mallarmé. Durante as tournées trava amizade com diversos escritores peninsulares. Resulta a criação, em Milão, onde passa a residir, de uma revista internacional: Poesia (1905), para cuja colaboração são convidadas as personalidades europeias em destaque.

Pouco antes, Marinetti havia publicado “La conquête des étoiles” (1902), poema antiteístico, ainda impregnado de simbolismo, e, no mesmo ano da fundação da revista, manifestando a atração que sobre ele sempre exerceu o teatro, Le roi Bombance, grotesca tragédia gastronômica antiparlamentarista, nos moldes de Gargantua e Pantagruel. Esta peça provoca violentas polêmicas na imprensa parisiense, pelas tacadas caricaturais de que são alvo os socialistas mais à vista, e já permite entrever o estilo do iminente “Manifesto del Futurismo”, publicado no Figaro de 20 de fevereiro de 1909. Com reboantes maiúsculas, ritmos cadenciados e preciosismos liberty, extremo obséquio à escola na qual se formou (o Simbolismo), Marinetti envolve os vistosos elementos do futurismo incipiente, o fetichismo da máquina, a glorificação das maciças descobertas tecnológico-científicas, que encobrem o advento de uma nova atitude espiritual, uma nova maneira de encarar o mundo, que McLuhan e os teóricos dos mass media haveriam de explicar, anos mais tarde.

Indiscutivelmente, o futurismo italiano foi o primeiro grande movimento intelectual que serviu de modelo para numerosas escolas artísticas e literárias na Europa. “O acontecimento que marcou a fundação da arte moderna da Europa foi a publicação do manifesto futurista de Marinetti”[a();1], escreveu o comedido e austero Gottfried Benn. Modelo este válido não tanto pela originalidade de suas ideias (algumas já estavam no ar e circulavam pelos meios literários da época)[a();2], mas pela radical mudança de tom, pela substituição do raciocínio lógico e consequentemente por uma rica e movimentada fabulação, repleta de símbolos, alegorias e incitamento à ação. Implicações políticas à parte, o Futurismo, de 1909 até 1920, deixou traços inconfundíveis na estética do mundo moderno, que se configuraram mais tarde na Europa e até na América. Pound reconhece que o movimento literário londrino por ele inaugurado, com Joyce, Eliot e outros, não teria existido sem o Futurismo; Flora admite que a teoria das palavras em liberdade codifica toda a arte contemporânea, diz Aldo Santini num recente estudo.[a();3] O próprio futurismo político, que se cristaliza em 1915 e cujo manifesto liberal com fortes matizes anarquistas aparece só em 1918, poderá, quando analisado, ser taxado de tudo, menos de fascista e menos ainda de reacionário.

Mesmo o intervencionismo e o “militarismo” futurista (a guerra – única higiene do mundo), que se delineiam a partir de 1914, devem ser julgados no contexto da época em que a Itália pobre e “mumificada” procurava saídas para sua indústria nascente. Nisso, diz com acerto Benjamin Goriély, poder-se-ão encontrar semelhanças com ideias de Bakunin (aliás, várias vezes citado por Marinetti) contra o absolutismo germânico.

A adesão do Futurismo ao Fascismo e a apropriação por parte deste de slogans futuristas são fenômenos posteriores, que, de acordo com certas “revisões” atuais, se prendem à influência do que, dentro do movimento, passou a receber a denominação depreciativa (e parcial) de “marinettismo”, ou seja, seu aspecto mais regressivo, onde em grande parte a estética e a ideologia da máquina se encontram com a estética e a ideologia da guerra. Na verdade, a “ideologia” futurista não coincide inteiramente com a ideologia de Marinetti (de quem, mesmo assim, deveriam ser consideradas as várias fases)[a();4], apesar de ele ter sido seu principal promotor. No Bund futurista, as ideias circulavam livremente: as concepções dos artistas plásticos influem sobre as poéticas dos literatos; um Lucini, um Papini, um Palazzeschi, aderem ao movimento do qual hão de se afastar mais tarde, radicalmente, levados justamente por discordâncias de princípios.

Marinetti entende que para lançar um movimento, isto é, para vender um produto, é necessário dar-lhe um nome de efeito, necessariamente inventado, novo, e repeti-lo continuamente até a obsessão, evitando entrar em detalhes. E a estratégia agressiva de Marinetti presta-se ao fascismo. Mussolini saqueia a terminologia, a técnica do insulto, o estilo lapidar, a ênfase marinettiniana.[a();5]




Mots en liberté: tipografia futurista


No primeiro manifesto futurista de 1909, o slogan era Les mots en liberté ("Liberdade para as palavras") e levava em consideração o design tipográfico da época, especialmente em jornais e na propaganda. Eles abandonavam toda distinção entre arte e design e abraçavam a propaganda como forma de comunicação. Foi um momento de exploração do lúdico, da linguagem vernacular, da quebra de hierarquia na tipografia tradicional, com uma predileção pelo uso de onomatopéias. Essas explorações tiveram grande repercussão no dadaísmo, no concretismo, na tipografia moderna, e no design gráfico pós-moderno.

Principais trechos do Manifesto do Futurismo

Manifesto do Futurismo

1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade.

2. A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia.

3. A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o extase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.

4. Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia.

5. Nós queremos entoar hinos ao homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada também numa corrida sobre o circuito da sua órbita.

6. É preciso que o poeta prodigalize com ardor, fausto e munificiência, para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.

7. Não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças desconhecidas, para obrigá-las a prostar-se diante do homem.

8. Nós estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente.

9. Nós queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo - o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas idéias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher.

10. Nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academia de toda natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.

11. Nós cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos as marés multicores e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas; as estações esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as oficinas penduradas às nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao sol com um luzir de facas; os piróscafos aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de largo peito, que pateiam sobre os trilhos, como enormes cavalos de aço enleados de carros; e o voo rasante dos aviões, cuja hélice freme ao vento, como uma bandeira, e parece aplaudir como uma multidão entusiasta.

É da Itália, que nós lançamos pelo mundo este nosso manifesto de violência arrebatadora e incendiária, com o qual fundamos hoje o "Futurismo", porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, de arqueólogos, de cicerones e de antiquários.

A Pintura Futurista

A pintura futurista foi explicitada pelo cubismo e pela abstração, mas o uso de cores vivas e contrastes e a sobreposição das imagens pretendia dar a ideia de dinâmica, deformação e não- materialização por que passam os objetos e o espaço quando ocorre a ação. Para os artistas do futurismo os objetos não se concluem no contorno aparente e os seus aspectos interpenetram-se continuamente a um só tempo. Procura-se neste estilo expressar o movimento atual, registrando a velocidade descrita pelas figuras em movimento no espaço. O artista futurista não está interessado em pintar um automóvel, mas captar a forma plástica a velocidade descrita por ele no espaço.

Umberto boccioni:la risata (1911)

Umberto boccioni:la risata (1911)
Arte italiana em Roma: a mostra sobre o Futurismo e as Vanguardas

Movimento Futurista.FUTURISMO

Modernismo no Brasil: Primeiro momento

O futurismo influenciou diversos artistas que depois fundaram outros movimentos modernistas, como Oswald de Andrade e Anita Malfatti, que tiveram contacto com o Manifesto Futurista e com Marinetti em viagens à Europa já em 1912. Após uma interrupção forçada pela Grande Guerra, o contato foi retomado. Foi certamente uma das influências da Semana de Arte Moderna de 1922, e seus conceitos de desprezo o passado para criar o futuro e não à cópia e veneração pela originalidade caiu como uma luva no desejo dos jovens artistas de parar de copiar os modelos europeus e criar uma arte brasileira. Oswald , principalmente, apercebeu-se que o Brasil e toda a sua multiplicidade cultural, desde as variadas culturas autóctones dos índios até à cultura negra, representavam uma vantagem e que com elas se podia construir uma identidade e renovar as letras e as artes.

Artes Plásticas: Anita Malfatti

Anita Catarina Malfatti (São Paulo, 2 de dezembro de 1889 — São Paulo, 6 de novembro de 1964) foi uma pintora, desenhista, gravadora e professora brasileira.

Biografia

Filha do engenheiro italiano Samuel Malfatti e de Betty Krug, americana, mas de família alemã, foi a primeira artista brasileira a aderir ao modernismo, tendo sido uma das expositoras da mostra, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, que fazia parte da Semana de Arte Moderna de 1922.

Surge a pintora
Nesse meio tempo faleceu Samuel Malfatti, esteio moral e financeiro da família. Sem recursos para o sustento dos filhos, D. Betty passa a dar aulas particulares de idiomas e também de desenho e pintura. Chegou a submeter-se à orientação do pintor Carlo de Servi para com mais segurança ensinar suas discípulas. Anita acompanhava as aulas e nelas tomava parte. Foi portanto sua própria mãe quem lhe ensinou os rudimentos das artes plásticas.

Na Alemanha
Anita pretendia estudar em Paris, mas sem a ajuda do pai, parecia impossível, tendo em vista que sua avó vivia entrevada numa cama e sua mãe passava o dia dando aulas de pintura e de idiomas.

Anita tinha umas amigas, as irmãs Shalders, que iam viajar à Europa para estudar música. Assim surgiu a idéia de acompanha-las à Alemanha e seu tio e padrinho Jorge Krug aceitou financiar a viagem.

Anita e as Shalders chegaram em Berlim em 1910, ano marcante na história da Arte Moderna alemã.

Primeira exposição individual - 1914
" Voltando ao Brasil, só me perguntavam pela Mona Lisa, pela glória da Renascença,e eu... nada"

"Minha família e meus amigos, eram de opinião de que eu deveria continuar meus estudos de pintura. Achavam meus quadros muito crus,mas, felizmente, muito fortes, o que prometia para o futuro uma pintura suave, quando a técnica melhorasse"
Anita Malfatti.

São Paulo, 1914, Anita tinha 24 anos e, com mais de 4 anos de estudo na Europa, finalmente voltava para o seio familiar. A cidade crescia, mas o ambiente artístico ainda era incipiente, o gosto de arte prodominante ainda era acadêmico. Ao mostrar suas obras - nada acadêmicas - Anita tentava explicar os avanços da arte na Europa, onde os jovens haviam levado às últimas consequencias as conquistas vindas do impressionismo .

Anita ainda continuava firme no desejo de partir mais uma vez em viagem de estudos. Sem condições financeiras, tentou pleitear uma bolsa junto ao Pensionato Artístico do Estado de São Paulo. Por essa razão, montou no dia 23 de maio de 1914, uma exposição com obras de sua autoria, exposição essa que ficou aberta até meados de junho.

O senador Freitas Vale foi visitar a exposição. Dependia dele a concessão da bolsa. Mas o influente político não gostou das obras de Anita, chegando a criticá-las publicamente. Entretanto, independentemente da opinião do senador, a bolsa não seria concedida. Notícias do iminente início da guerra, fizeram com que o Pensionato as cancelasse. Foi aí que, mais uma vez, financiada pelo tio, o engenheiro e arquiteto Jorge Krug, Anita embarca para os Estados Unidos.

Segunda exposição individual - 1917
"A exposição da senhorita Malfatti, toda ela de pintura moderna, apresenta um aspecto original e bizarro, desde a disposição dos quadros aos motivos tratados em cada um deles. De uma rápida visita ao catálogo, o visitante há de inteirar-se logo do artista que vai observar. Tropical e Sinfonia colorida, são nomes que qualquer pintor daria até a uma paisagem, menos a uma figura, como tão bem fez a visão impressionista de sua autora. Essencialmente moderna, a arte da senhorita Malfatti, se distancia consideravelmente dos métodos clássicos. A figura ressalta, do fundo do quadro, como se nos apresentasse, em cada traço, quase violento, uma aresta do caráter do retratado. A paisagem é larga, iluminada, quase sempre tocada de uma luz crua, meridiana, que põe em relevo as paredes alvas, num embaralhamento de vilas sertanejas, onde a minudência se afasta para a mais forte impressão do conjunto."

Os acontecimentos a partir da primeira semana se deram de forma tão rapida e surpreendente, que Anita só se atreveria a narra-los 34 anos depois:"A pricípio foram os meus quadros muito bem aceitos, e vendi, nos primeiros dias, oito quadros. Em geral depois da primeira surpresa, acharam minha pintura perfeitamente normal. Qual não foi a minha surpresa quando apareceu o artigo crítico de Monteiro Lobato."
Anita Malfatti.

"Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura... Se Anita retrata uma senhora com cabelos geometricamente verdes e amarelos, ela se deixou influenciar pela extravagância de Picasso e companhia - a tal chamada arte moderna..".

Após o artigo de Lobato, publicado em O Estado de S.Paulo, edição da tarde, em 20 de dezembro de 1917, com o título de A propósito de exposição Malfatti, as telas vendidas foram devolvidas, algumas quase foram destruídas a bengaladas; o artigo gerou uma verdadeira catilinária de trechos em jornais, contra Anita. A primeira voz que se levantou em defesa da pintora, foi a de Oswald de Andrade. Num artigo de jornal, ele elogiou o talento de Anita e parabenizou pelo simples fato dela não ter feito cópias. Pouco depois, jovens artistas e escritores, possuidos pelo desejo de mudança que as obras de Anita suscitaram, uniram-se a ela, como: Mário e Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida.

Sentindo-se marginalizada e na tentativa de ser aceita como artista em sua cidade, Anita inicia estudos com o pintor acadêmico Pedro Alexandrino, em busca da reestruturação de sua pintura. O artigo agressivo e até maldoso de Monteiro Lobato deixaria marcas profundas na vida e na obra da artista.

A Semana de Arte Moderna de 1922
Após a enorme confusão causada por Monteiro Lobato, a vida de Anita Malfatti começou a ter certa normalidade, o tempo que se seguiu após a exposição, foi de assimilação do novo, da percepção daquilo que até então não fora nem sonhado.

"Parece absurdo, mas aqueles quadros foram a revelação. E ilhados na enchente que tomara conta da cidade, nós, três ou quatro, delirávamos de êxtase diante de obras que se chamavam O homem amarelo, A mulher de cabelos verdes."

"Assisti bem de perto essa luta sagrada e palavra que considero a vida artística de Anita Malfatti um desses dramas pesados que o isolamento dos indivíduos apaga para sempre feito segredo mortal.O povo passa, povo olha o quadroe tudo neste mostra vontade e calma bem definidas.O povo segue seu caminho depois de ter aplaudido a obra boa sem saber que poder de miserinhas cotidianas maiores que o Pão de Açúcar aquela artista bebeu diariamente com o café da manhã" Mário de Andrade.

Após o périodo de recesso, a Semana de Arte Moderna, mais uma vez, movimentou a vida artística insípida de São Paulo. Anita participou dela com 22 trabalhos.

"Recordo-me que no dia da inauguração, o velho conselheiro Antônio Prado, com grande espanto da comitiva, quis comprar meu quadro O homem amarelo, porém, Mário de Andrade acabava de adiquiri-lo. A plantinha havia vingado"

" Foi a noitada das surpresas. O povo estava muito inquieto, mas não houve vaias. O teatro completamente cheio. Os ânimos estavam fermentando; o ambiente eletrizante, pois que não sabiam como nos enfrentar. Era o prenúncio da tempestade que arrebentaria na segunda noitada"

Anita estava feliz entre o círculo modernista, uma vez que eles vinham de encontro à suas aspirações artisticas, entraria também para o comentado grupo dos cinco .


Principais obras de Anita Malfatti



- A boba
- A Estudante Russa
- O homem das sete cores
- Nu Cubista
- O homem amarelo

Arte de Anita Malfatti

Arte de Anita Malfatti

Anita Malfatti

Literatura: Oswald de Andrade

José Oswald de Sousa de Andrade (São Paulo, 11 de janeiro de 1890 - São Paulo, 22 de outubro de 1954) foi um escritor, ensaísta e dramaturgo brasileiro. Era filho único de José Oswald Nogueira de Andrade e de Inês Henriqueta Inglês de Sousa Andrade. Seu nome pronuncia-se com acento na letra a (Oswáld).

Foi um dos promotores da Semana de Arte Moderna que ocorreu 1922 em São Paulo, tornando-se um dos grandes nomes do modernismo literário brasileiro. Foi considerado pela crítica como o elemento mais rebelde do grupo.

O Papel de Oswald no Modernismo Brasileiro
Um dos mais importantes introdutores do Modernismo no Brasil, foi o autor de dois incontornáveis manifestos modernistas: O Manifesto da Poesia Pau Brasil e o Manifesto Antropófago.

Indissociável da figura de Mário de Andrade, ambos os autores funcionaram como um dínamo na introdução e experimentação do movimento, unidos por uma profunda amizade que durou muito tempo.

Embora menos profundo e analítico, Oswald de Andrade era muito mais extrovertido e provocador que o seu colega modernista. Nesse aspecto não só os seus escritos como as suas aparições públicas serviram para moldar o ambiente modernista da década de 1920 e de 1930.

Foi um dos interventores na Semana da Arte Moderna de 1922. Esse evento teve uma função simbólica importante na identidade cultural brasileira. Por um lado celebrava-se um século da independência política do país colonizador Portugal, e por outro consequentemente, havia uma necessidade de se definir o que era a cultura brasileira, o que era o sentir brasileiro, quais os seus modos de expressão próprios. No fundo procurava-se aquilo que Herder definiu como alma nacional (volksgeist). Esta necessidade de definição do espírito de um povo era contrabalançada, e nisso o modernismo brasileiro vai a par com as vanguardas europeias do princípio do século, por uma abertura cosmopolita ao mundo.

Nos anos vinte Oswald voltou-se contra as formas cultas e convencionais da arte. Fossem elas o romance de ideias, o teatro de tese, o naturalismo, o realismo, o racionalismo e o parnasianismo (por exemplo Olavo Bilac). Interessaram-lhe, sobretudo, as formas de expressão ditas ingênuas, ou o abstracionismo, a recuperação de elementos locais, aliados ao progresso da técnica, um misto de dorme nenê que o bicho vem pegá e de equações.

Num primeiro momento Oswald propôs uma carnavalização de todos os valores, na atitude típica da vanguarda iconoclasta, que depois refundiu para a expressão de revolução antropofágica.

Foi com surpresa e satisfação que Oswald de Andrade descobriu, na sua estada em Paris na época do Futurismo e especialmente do Cubismo, que os elementos de culturas até aí consideradas como menores, como a Africana ou a Polinésia, estavam a ser integrados na arte mais avançada. Assim, a arte da Europa industrial era renovada com uma revisitação a outras culturas e expressões de outros povos. Oswald apercebeu-se que o Brasil e toda a sua multiplicidade cultural, desde as variadas culturas autóctones dos índios até a cultura negra representavam uma vantagem e que com elas se poderia construir uma identidade e renovar as letras e as artes. Tenta fundir, pôr ao mesmo nível, os elementos da cultura popular e erudita, fazendo tábula rasa das categorias que T. S. Eliot iria cunhar como sendo upper culture e lower culture. Sugeriu ainda que as normas acadêmicas da fala fossem abolidas, o que exprimiu na sua poesia.

O Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924)
O manifesto da poesia pau-brasil é do mesmo ano que o Manifesto Surrealista de André Breton, o que reforça a tese de que o Brasil estava a acompanhar plenamente o movimento das vanguardas mundiais. Tinha deixado definitivamente de ser uma forma de expressão pós-portuguesa para se afirmar plena e autonomamente. Neste manifesto Oswald defende uma poesia que seja ingênua, mas ingênua no sentido de não contaminada por formas preestabelecidas de pensar e fazer arte. “Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia.”

O manifesto desenvolve-se num tom de [paródia] e de [festa], de prosa poética pautada com frases aforísticas. Nele se expressa que o Brasil passe a ser uma cultura de exportação, à semelhança do que foi o produto pau-brasil, que a sua poesia seja um produto cultural que já não deve nada à cultura europeia e que antes pelo contrário pode vir a influenciar esta. Oswald defende uma poética espontânea e original, as formas de arte estão dominadas pelo espírito da imitação, o naturalismo era uma cópia balofa. "Só não se inventou a máquina de fazer versos — já havia o poeta parnasiano". Afirma assim uma poesia que tem que ser revolucionária. “O trabalho contra o detalhe naturalista — pela síntese, contra a morbidez romântica. — pelo equilíbrio geômetra, e pelo acabamento técnico, contra a cópia, pela invenção e pela surpresa”.

Talvez não seja muito errado afirmar que este manifesto poderia ser considerado como um futurismo tropicalista. “Temos a base dupla e presente —. a floresta e a escola. A raça crédula e dualista e a geometria, a álgebra e a química logo depois da mamadeira e do chá de erva doce...”

Manifesto Antropófago (1928)
Foi publicado no primeiro exemplar da Revista de Antropofagia. Os exemplares desta publicação eram numerados como primeira dentição, segunda dentição, etc.

Este manifesto constitui-se numa síntese de alguns pensamentos do autor sobre o Modernismo Brasileiro. Inspirou-se explicitamente em Marx, em Freud, André Breton, Montaigne e Rousseau e atacava explicitamente a missionação, a herança portuguesa e o padre Antônio Vieira: Antes de os portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade; Contra Goethe (que simboliza a cultura clássica europeia). Neste sentido, assina o manifesto como tendo sido escrito em Piratininga (nome indígena para a planície de onde viria a surgir a cidade de São Paulo), datando-o esclarecedoramente como ano 374, da Deglutição do Bispo Sardinha, o que denota uma recusa radical, simbólica e humorísticamente, do calendário gregoriano vigente.

Há várias ideias que estão implícitas neste manifesto, sendo de lamentar que o seu autor não tivesse o espírito sistemático e mais profundo do seu amigo Mário de Andrade para as ter explanado de uma maneira mais substantiva. Uma é conhecida da antropofagia e tem a ver com o papel simbólico do canibalismo nas sociedades tribais/tradicionais. O canibal nunca come um ser humano por nutrição, mas sim sempre para incluir em si as qualidades do inimigo ou de alguém. Assim o canibalismo é interpretado como uma forma de veneração do inimigo. Se o inimigo tem valor então tem interesse para ser comido porque assim o canibal torna-se mais forte. Oswald atualiza este conceito no fundo expressando que a cultura brasileira é mais forte, é colonizada pelo europeu mas digere o europeu e assim torna-se superior a ele: Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Matias. Comi-o.

Outra ideia avançada é a de que a maior revolução de todas vai se realizar no Brasil: Queremos a revolução Caraíba.

Outra ideia é a de que o Brasil, simbolizado pelo índio, absorve o estrangeiro, o elemento estranho a si, e torna-o carne da sua carne, canibaliza-o. Oswald recusa as religiões do meridiano que são aquelas de origem oriental e semita que deram origem ao cristianismo. Sendo a favor das religiões indígenas, com a sua relação direta com as forças cósmicas.

O manifesto insiste muito nas ideias de Totem e Tabu, expressas em um trabalho de Freud de 1912. Segundo Freud o Pai da tribo teria sido morto e comido pelos filhos e posteriormente divinizado. Tornado Totem e por isso mesmo sagrado, consequentemente criaram-se interdições à sua volta.

Citando o manifesto: Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem. A antropofagia segundo Oswald é uma inversão do mito do bom selvagem de Rousseau, que era puro, inocente, edênico. O índio passa a ser mau e esperto, porque canibaliza o estrangeiro, digere-o, torna-o parte da sua carne. Assim o Brasil seria um país canibal. O que é um ponto de vista interessante porque subverte a relação colonizador/(ativo)/colonizado(passivo). O colonizado digere o colonizador. Ou seja, não é a cultura ocidental, portuguesa, europeia, branca, que ocupa o Brasil, mas é o índio que digere tudo o que lhe chega. E ao digerir e absorver as qualidades dos estrangeiros fica melhor, mais forte e torna-se brasileiro.

Assim o Manifesto Antropófago, embora seja nacionalista não é xenófobo, antes pelo contrário é xenofágico: Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago..

Representações na Cultura

Oswald de Andrade já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado por Colé Santana no filme "Tabu" (1982), Flávio Galvão e Ítala Nandi no filme "O Homem do Pau-Brasil" (1982), Antônio Fagundes no filme "Eternamente Pagu" (1987) e José Rubens Chachá nas minisséries "Um Só Coração" (2004) e "JK" (2006). As ideias de Oswald de Andrade influenciaram também diversas áreas da criação artística: na música o tropicalismo na poesia o movimento dos concretistas e no teatro grupos como Teatro Oficina e Cia. Antropofágica tem sua trajetória ligada ao poeta.

Principais Obras
Além dos manifestos da Poesia Pau-Brasil (1924); Manifesto Antropófago (1928), Oswald escreveu:

Poesia
1926: Pau-Brasil
1927: Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade
1945: Cântico dos Pânticos para Flauta e Violão
1945: O Escaravelho de Ouro
1947: O Cavalo Azul
Romance
1922-1934: Os Condenados (trilogia);
1924: Memórias Sentimentais de João Miramar;
1933: Serafim Ponte Grande;
1943: Marco Zero à Revolução Melancólica.
Teatro
1934: O Homem e o Cavalo;
1937: A Morta;
1937: Rei da Vela.

Obras de Oswald de Andrade


Memórias Sentimentais de João Miramar - Oswald de Andrade - resumo

1- ENREDO

O enredo da obra é simples: João Miramar relata sua história pessoal.

Ao longo de capítulos revolucionariamente curtos, repassa os principais fatos que marcaram sua existência. As impressões deixadas pela: a) infância; b) viagem ao exterior; c) retorno ao Brasil; d) 1ª Guerra Mundial; e) namoro com Célia; f) casamento; g) nascimento de sua única filha (Celiazinha); h) o caso extraconjugal; i) a falência; j) divórcio motivado pelo insucesso financeiro; k) morte da ex-esposa; l) recuperação da guarda da filha e da fortuna.

A história do narrador é banal. Não tem nada de especial. Nem acontecimentos bombásticos que orientam para um final que exprima a vitória do verdadeiro amor, nem conseqüências necessárias resultantes de um determinismo psico-social. Já aí vemos o quanto Oswald distancia-se de toda literatura que o precedeu tanto na escolha quanto no tratamento do tema.

Além destas, a outra grande inovação é o trabalho de Oswald com a linguagem. Ao longo da obra o que mais chama atenção não é a narrativa mas a maneira que o narrador emprega para sugerir sua trajetória pessoal. Contudo, esta é uma questão que será tratada em outro momento.

2 - TEMPO, ESPAÇO e PERSONAGENS

Memórias Sentimentais de João Miramar é uma obra até certo ponto caótica. Em virtude disso, a análise de categorias como tempo, espaço e personagens é quase impossível.

A época o local em que os fatos ocorreram não tem importância. O que importa é a maneira pela qual o narrador filtrou aquelas experiências e, principalmente, a linguagem que emprega para contá-las ao leitor.

A obra parece seguir uma ordem vagamente cronológica.

É como se os espaços não existissem para além das sugestões, das emoções que provocaram no narrador. Por isso, ele não se dá ao trabalho de fazer descrições, remetendo o leitor aos locais onde os fatos ocorreram pela simples menção de seus nomes (São Paulo, Paris, etc.).

Cada personagem tem sua vida própria, mas sua interferência na narrativa só existe sob a perspectiva do narrador. Por isso, com exceção de algumas características muito gerais, nenhuma delas (nem mesmo o narrador) foi delineada, descrita física e psicologicamente. Tem um nome, isto basta. Contudo, há um traço que une-as:- seu apego excessivo ao dinheiro. É a partir deste ponto que a narrativa foi construída com o intuito de desmascarar, de satirizar suas relações sociais (ou devemos dizer econômicas?)

3 - FOCO NARRATIVO

O foco narrativo na obra é predominantemente de 1ª pessoa. João Miramar relata os principais momentos de sua trajetória.

"Entrei para a escola mista de D. Matilde." (Cap. 5)

"Não disse nada do que queria dizer a Madô." (Cap. 10)

"Molhei secas pestanas para o rincão corcunda que vira nascer meu pai." (Cap. 58)

Em alguns momentos, o narrador de 1ª pessoa cede espaço a outros narradores também de 1ª pessoa. Isto ocorre quando são transcritas cartas e bilhetes.

4 - LINGUAGEM

A linguagem empregada nesta obra é telegráfica. O autor não narra, mas sugere através de capítulos curtos uma história com começo meio e fim. Contudo, cada capítulo é uma unidade que até pode ser lida independente das demais. O sentido de cada parte não se perde fora do contexto geral da obra.

Mas, isto não quer dizer que a prosa de Oswald de Andrade seja fácil. Ao contrário, cada um dos capítulos, apesar de extremamente curto, é uma charada, um enigma a ser desvendado. Oswald não facilita o trabalho do leitor.

Seu estilo opõe-se de um lado aos exageros científico-detalhistas da escola Realista e à passionalidade-emotiva da narrativa da escola Romântica. Em cada um dos capítulos o trabalho essencial do autor foi com a linguagem. Não se deixou envolver nem pela ciência nem pela emoção, filtrou a ambas procurando dar uma nova conformação a literatura.

No início, a linguagem fragmentada lembra muito a maneira de falar das crianças. Miramar (o narrador), relata sua infância.

A narrativa é ágil, funcional, quase um fluxo de consciência. O narrador intencionalmente não pretende fixar-se neste ou naquele detalhe que retrata ao leitor, antes mistura-os intencionalmente para sugerir sua falta de capacidade de concentração (exatamente como uma criança). Prova disto é o último parágrafo, em que as idéias referidas anteriormente adentram na oração desfigurando-a, mudando seu sentido.

A ausência de pontuação reforça a tese de que o narrador relata sua infância como se fosse uma criança.

A medida que a obra prossegue e o narrador vai crescendo, a narrativa também vai se modificando. Começa o trabalho mais detalhado com a linguagem.

5 - RECURSOS EXPRESSIVOS

Ao longo da obra Oswald abusa de recursos de linguagem, muitas vezes misturando-os com um poder de síntese invejável.

METONÍMIA - "... de geografia aberta sobre a mesa..." (Cap. 79) = mapa

ONOMATOPÉIA - "...No silêncio tique-taque..." (Cap. 8) (Antítese:- silêncio/barulho)

"Dez horas da noite, o relógio farto batia dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão!

HIPÉRBATO - "... mapas do secreto Mundo." (Cap. 9) ao invés de "...mapas do Mundo secreto."

ALITERAÇÃO - "...punha patetismos pretos..." (Cap. 22)

PARADOXO - "...Companhia Industrial e Segurista de Imóveis Móveis..." (Cap. 119)

PROSOPOPÉIA - "... Depois casas baixas desanimaram a planície cansada." (Cap. 113)

SINESTESIA - "...de janelas cerradas e acesos silêncios." (Cap. 153)

O emprego de TROCADILHOS é comum na obra:- "... sátiras à sociedade de sátiros..." (Cap. 72)

A exemplo de outros escritores, Oswald também realiza diálogos intertextuais, fazendo referência aos seguintes autores, personagens e obras:- O primo Basílio (Eça de Queiroz) Cap. 100

-Herodes (Bíblia) Cap. 98
-Lord Byron (poeta romântico) Cap. 155
-Virgílio (poeta latino) Cap. 163

Faz referência à vanguarda artística européia (Picasso, Satie e João Cocteau - Cap. 51, Isadora Duncan - Cap. 47).

Também é marcante o emprego de vocábulos e expressões em línguas estrangeiras:- Inglês Francês Espanhol Italiano: dancing habitué encuentro de ustedes si sinhore / It is very beautiful! Mademoiselle / board-house tour du monde / Albany Street goudron-citron / Latim / Res non verba!

A obra registra também uma variante do português resultante da influência da migração árabe:- "- Aqui nong teng acordo. Teng pagamento! (Cap. 148)

Há um momento que Oswald recorre as todas as línguas e língua nenhuma:- "...Os Estados Unidos é cotuba. All right. Knock Out! I and my sisters speak french. Moi et ma soer nos savons paletre bien le Français. Eu e a minha ermam sabemos falal o francês..." (Cap. 68)

Ao destruir e reconstruir diversas línguas em busca de novos significados e formas de expressão, Oswald deve ter escandalizado seus contemporâneos. Ainda hoje a leitura de passagens como estas causam um certo espanto, embora o recurso já tenha sido universalizado por Umberto Eco (em o Nome da Rosa o personagem Salvatore fala uma língua que mistura latim, italiano, francês, espanhol, etc..., ou seja, fala todas as línguas e nenhuma ).

Ao longo da obra Oswald cria diversos neologismos. Dentre eles destacamos um para dar uma idéia da riquesa da criatividade do autor:- ORINÓIS (Cap. 138) = OURO (metal precioso) + URINOL (recipiente empregado para colher urina).

Através deste neologismo, criado a partir de duas palavras de campos semânticos distintos mas que guardam uma interseção gráfica (UR), Oswald redefine o valor do urinol e do ouro, zombando da burguesia que emprega ambos. Além disso, "OURINÓL" é um neologismo difícil de classificar, pois traz em si a idéia de um substantivo e ao mesmo tempo de um adjetivo (dourado). Consideremo-lo, para efeito deste trabalho como um substantivo.

O maior recurso expressivo empregado pelo autor é a criação de vocábulos.

Verbos Substantivos Adjetivos: Vagamundear, cornamusas, calva, gramática note-americava, neopropriedades comerciaturos, tombadilhavam, reisreais, jantar, fazendeira, cosmoramava, automobilizados, fazendeiral, tardava, ourinóis, paisajal, mulatava, caradura, respeitabundos, sentinelando, bestenamorada, espinafrado, gondolamos, institutal, turcavam, pince-nez, arqueólogo, guardanapando, mulatal, boulevardearam, perdoadora, verticalavam, pianal, pullmavam, quilometrais, quilometraram, charutal, frigorificavam, bolsentas, eldoradava, genealogias, fascícolas, morenava, gramofônica, fox-trotar, alfandegueiros, transatlanticarem, apelidais, beiramarávamos, figueiradal, bandeiranacionalizavam, calomelânica, britanizávamos, criadais, fordei, fortunais, grandilocou, ramazevedos, esperançava, matadoural, taxizara, carbogramado, cilindravam, marideiro, parisiavam, lanteijoulante, seminudava.

6 - IDEOLOGIA

A obra apresenta uma crítica ao casamento como instituição burguesa (união por interesse).

"Separação precavida de bens" (Cap. 62)

O motivo da separação do casal João Miramar/Célia é falência financeira dele.

"A margem disso o caso financeiro negreja no horizonte. O Senhor adquiriu rapidamente uma reputação de dilapidador." (Cap. 142)

O interesse do pai pela filha só ocorre após a morte da mulher.

"Foi à ele que corri na aflita busca de minha Celiazinha, feita milionária e só pelo Deus das revisões do processo." (Cap. 157)

Através do livro, Oswald ressalta e satiriza o caráter patrimonial das relações sociais burguesas.

"E Rolah trazia ao céu do cinema um destino de letra de câmbio." (Cap. 32)

Em duas oportunidades Oswald registra a utilização de dinheiro público para viagens de artistas ao exterior.

"Dalbert de subsídio e trombone ia partir para a conquista da Europa." (Cap. 26)

"João Jordão que não era artista nem nada parecida magro e uma tarde arranjou subsídio governamental para estudar pintura em Paris." (Cap. 22)

A linguagem também reflete uma escolha ideológica. Oswad quebra a forma usual de narrar, rompendo definitivamente com as escolas literárias que o antecederam, e com uma determinada concepção da língua portuguesa (abusa de neologismo, cria verbos, adjetivos, etc.).



Memórias Sentimentais de João Miramar é uma narrativa que se recusa a construir-se como tal. Assim, através deste verdadeiro mosaico que é a obra, Oswald de Andrade não pretende somente explodir as bases da literatura da época, mas também e principalmente implodir a sociedade burguesa e seus valores morais.



Obras de Oswald de Andrade Parte II

Canto de Regresso à pátria

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo

Obras de Oswald de Andrade

A descoberta


Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra
os selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam por a mão
E depois a tomaram como espantados
primeiro chá
Depois de dançarem
Diogo Dias
Fez o salto real
as meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha.


(in Poesias Reunidas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971.)

Oswald Andrade

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